8 de jul. de 2010

Para refletir

Após alguns dias longe daqui, estou de volta com um texto que recebi por e-mail da minha coleguinha GISELE mas eu gosto de chama-la de Gigele.   O texto é longo mais vale a pena, pois quem nessa vida não sofreu algum tipo de preconceito, seja ele por causa da cor da pele, religião entre outros.

O Insustentável Preconceito de Ser!
Era o admirável mundo novo! Recém-chegada de Salvador, vinha a convite de uma emissora de TV, para a qual já trabalhava como repórter. Solícitos, os colegas da redação paulistana se empenhavam em promover e indicar os melhores programas de lazer e cultura, onde eu abastecia a alma de prazer e o intelecto de novos conhecimentos.

Era o admirável mundo civilizado! Mentes abertas com alto nível de educação formal. No entanto, logo percebi o ruído no discurso:

- Recomendo um passeio pelo nosso "Central Park", disse um repórter. Mas evite ir ao Ibirapuera nos domingos, porque é uma baianada só!
-Então estarei em casa, repliquei ironicamente.
-Ai, desculpa, não quis te ofender. É força de expressão. Tô falando de um tipo de gente.
-A gente que ajudou a construir as ruas e pontes, e a levantar os prédios da capital paulista?
-Sim, quer dizer, não! Me refiro às pessoas mal-educadas, que falam alto e fazem "farofa" no parque.
-Desculpe, mas outro dia vi um paulistano que, silenciosamente, abriu a janela do carro e atirou uma caixa de sapatos.
-Não me leve a mal, não tenho preconceitos contra os baianos. Aliás, adoro a sua terra, seu jeito de falar....

De fato, percebo que não existe a intenção de magoar. São palavras ou expressões que , de tão arraigadas, passam despercebidas, mas carregam o flagelo do preconceito. 



Preconceito velado, o que é pior, porque não mostra a cara, não se assume como tal. Difícil combater um inimigo disfarçado.
Descobri que no Rio de Janeiro, a pecha recai sobre os "Paraíba", que, aliás, podem ser qualquer nordestino. Com ou sem a "Cabeça chata", outra denominação usada no Sudeste para quem nasce no Nordeste.

Na Bahia, a herança escravocrata até hoje reproduz gestos e palavras que segregam. Já testemunhei pessoas esfregando o dedo indicador no braço, para se referir a um negro, como se a cor do sujeito explicasse uma atitude censurável.

Numa das conversas que tive com a jornalista Miriam Leitão, ela comentava:
-O Brasil gosta de se imaginar como uma democracia racial, mas isso é uma ilusão. Nós temos uma marcha de carnaval, feita há 40 anos, cantada até hoje. E ela é terrível. Os brancos nunca pensam no que estão cantando. A letra diz o seguinte:
"O teu cabelo não nega, mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega, mulata
Mulata, quero o teu amor".
"É ofensivo", diz Miriam. Como a cor de alguém poderia contaminar, como se fosse doença? E as pessoas nunca percebem.

A expressão "pé na cozinha", para designar a ascendência africana, é a mais comum de todas, e também dita sem o menor constragimento. É o retorno à mentalidade escravocrata, reproduzindo as mazelas da senzala.

O cronista Rubem Alves publicou esta semana na Folha de São Paulo um artigo no qual ressalta:
"Palavras não são inocentes, elas são armas que os poderosos usam para ferir e dominar os fracos. Os brancos norte-americanos inventaram a palavra 'niger' para humilhar os negros. Criaram uma brincadeira que tinha um versinho assim:
'Eeny, meeny, miny, moe, catch a niger by the toe'...que quer dizer, agarre um crioulo pelo dedão do pé (aqui no Brasil, quando se quer diminuir um negro, usa-se a palavra crioulo).

Em denúncia a esse uso ofensivo da palavra , os negros cunharam o slogan 'black is beautiful'. Daí surgiu a linguagem politicamente correta. A regra fundamental dessa linguagem é nunca usar uma palavra que humilhe, discrimine ou zombe de alguém".
Será que na era Obama vão inventar "Pé na Presidência", para se referir aos negros e mulatos americanos de hoje?

A origem social é outro fator que gera comentários tidos como "inofensivos" , mas cruéis. A Nação que deveria se orgulhar de sua mobilidade social, é a mesma que o picha o próprio Presidente de torneiro mecânico, semi-analfabeto. Com relação aos empregados domésticos, já cheguei a ouvir:
- A minha "criadagem" não entra pelo elevador social !
E a complacência com relação aos chamamentos, insultos, por vezes humilhantes, dirigidos aos homossexuais ? Os termos bicha, bichona, frutinha, biba, "viado", maricona, boiola e uma infinidade de apelidos, despertam risadas. Quem se importa com o potencial ofensivo?

Mulher é rainha no dia oito de março. Quando se atreve a encarar o trânsito, e desagrada o código masculino, ouve frequentemente:
- Só podia ser mulher! Ei, dona Maria, seu lugar é no tanque!
Dependendo do tom do cabelo, demonstrações de desinformação ou falta de inteligência, são imediatamente imputadas a um certo tipo feminino:
-Só podia ser loira!
Se a forma de administrar o próprio dinheiro é poupar muito e gastar pouco:
- Só podia ser judeu!

A mesma superficialidade em abordar as características de um povo se aplica aos árabes. Aqui, todos eles viram turcos. Quem acumula quilos extras é motivo de chacota do tipo: rolha de poço, polpeta, almôndega, baleia ...
Gosto muito do provérbio bíblico, legado do Cristianismo: "O mal não é o que entra, mas o que sai da boca do homem".
Invoco também a doutrina da Física Quântica, que confere às palavras o poder de ratificar ou transformar a realidade. São partículas de energia tecendo as teias do comportamento humano.

A liberdade de escolha e a tolerância das diferenças resumem o Princípio da Igualdade, sem o qual nenhuma sociedade pode ser Sustentável.
O preconceito nas entrelinhas é perigoso, porque , em doses homeopáticas, reforça os estigmas e aprofunda os abismos entre os cidadãos. Revela a ignorancia e alimenta o monstro da maldade.
Até que um dia um trabalhador perde o emprego, se torna um alcóolatra, passa a viver nas ruas e amanhece carbonizado:
-Só podia ser mendigo!
No outro dia, o motim toma conta da prisão, a polícia invade, mata 111 detentos, e nem a canção do Caetano Veloso é capaz de comover:
-Só podia ser bandido!
Somos nós os responsáveis pela construção do ideal de civilidade aqui em São Paulo, no Rio, na Bahia, em qualquer lugar do mundo. É a consciência do valor de cada pessoa que eleva a raça humana e aflora o que temos de melhor para dizer uns aos outros.
PS: Fui ao Ibirapuera num domingo e encontrei vários conterrâneos. ..

Rosana Jatobá

Rosana Jatobá é jornalista, graduada em Direito e Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, e mestranda em gestão e tecnologias ambientais da Universidade de São Paulo. Também apresenta a Previsão do Tempo no Jornal Nacional, da Rede Globo. 
Esse texto é parte da série de crônicas sobre Sustentabilidade publicada na CBN


2 comentários:

  1. Nossa!! O preconceito!!

    Nem li tudo (fiquei com preguiça, rs) mas esse aí não tem jeito não!

    Eu já sofri preconceito de inúmeras espécies... Na verdade, sempre passo por alguma situação estranha no dia a dia

    Já sofri por ser gordinha (já escutei cada barbaridade dos outros... que isso é relaxo e coisas do gênero)

    Já sofri preconceito por ser batista.
    A maioria dos católicos nos vêem como "crente", "antiquado", "fanático". E muitos pentecostais nos vêem como "mundanos", "falsos cristãos", por não sermos tão radicais quanto eles...
    É dose, viu?

    Já sofri por ser carioca em terras capixabas (sim, muitos capixabas odeiam cariocas), já ouvi inclusive que estava aqui no ES tirando a chance de "alguém da terra" no mercado de trabalho... Triste né? Pois é... Mas eu ouvi

    Já sofri por ser branca! Sim! Por ser branca! Já fui chamada de branquela, parafina... Sem contar com aqueles que vem e dizem que pareço doente e que preciso "pegar um sol". Cara, na boa, eu gosto da minha cor... Não tenho nada contra ela. O branco também é lindo! Porque não?? Esse tipo de pensamento não vale só pro negro. Aliás, odeio preconceito por causa da cor da pele... Pra mim é o pior deles!

    Já sofri por ser pobre! A maioria dos ricos adora menosprezar quem é menos favorecido financeiramente... Já cansei de gente olhando pro meu pé, como se ele fosse sujo.

    Já sofri por não ter feito uma faculdade.
    Quando eu estava com 25 anos (idade de fazer uma pós), ao conhecer uma pessoa, essa me perguntou qual pós graduação eu estava fazendo. Eu, toda sem graça, respondi que nem a graduação eu tinha feito. Aí a pessoa arregalou os olhos, me fitou dos pés a cabeça e me ignorou a partir disso... Como se o fato de eu não ter estudo, fizesse de mim uma pessoa suja.

    Já sofri por estar atrás de um balcão.
    Existe uma frase muito famosa que diz que o cliente tem sempre a razão. Mas olha, o que tem de cliente tirando vendedor... Não tá no gibi!
    Uma vez uma cliente chegou ao ponto de dizer que eu tinha que lamber o pé dela, pois afinal eu era PAGA pra isso... Vontade de matar a criaturazinha... rs

    Acho que todos nós na vida, passamos por preconceitos...

    É comum...

    O melhor a fazer é não ligar pra certas coisas, pois afinal, pessoas são diferentes e pensam diferente. Impossível mudar a cabeça do mundo!

    Nem Jesus agradou a todos... Ainda hoje, Jesus não agrada a todos...

    Fazer o que né??

    Cada cabeça, uma sentença!

    Beijo querida!!

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  2. Não existe NENHUMA palavra nessa crônica que não seja real! Muitas vezes nos pegamos proferindo palavras sem sequer pensarmos, mas quantas vezes estamos colaborando com esse tipo de atitude DESPREZÍVEL!
    Vamos pensar melhor antes de sairmos falando qualquer coisa!
    Kárita

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